sábado, 10 de maio de 2008

UMA PAIXÃO LITERÁRIA:

A água da minha memória devora todos os reflexos.Desfizeram-se, por isso, todas as minhas presençase sempre se continuarão a desfazer.É inútil o meu esforço de conservar-me;todos os dias sou meu completo desmoronamento:e assisto à decadência de tudo,nestes espelhos sem reprodução.Voz obstinada que estás longe chamando-meconduze-te a mim, para compreenderes minha ausência.Traze de longe os teus atributos de amargura e de sonho,pra veres o que deles restadepois de chegarem a estes ermos domíniosonde figuras e horas se decompõem.Não precisaremos falar mais nem sentir:seremos só de afinidades: morrerão as alegorias.E saberas distinguir as coisas que parecem desoladas,olhando para esta água interminável e muda,que não floriu, que não palpitou, que não produziu,de tanto ser puramente imortal...Cecília Meireles in: "Viagem," 1939

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