quinta-feira, 3 de julho de 2008

O DESESPERO DA FAXINEIRA DE ILUSÕES NUMA MANHÃ SOMBRIA



Frida Khalo - "The Earth Itself - (My Nurse and I)

Ausente de seu labor, por um tempo, a Faxineira retornou à sua rotina diária, como varrer pensamentos negativos, aspirar lembranças que fazem mal, lavar atitudes inexplicáveis, espanar a poeira das indignações.
Por sentir falta de sua função que lhe dá serenidade, ela foi em busca das pessoas que formavam as gentes de seu povoado. Passeou pelas ruas e sorriu com a senhora octogenária que lhe passa tantos ensinamentos, conversou com a mulher forte que já passou por várias provações e sustenta outras vidas com o coração e a vida. Conversou com a balconista que atende como se estivesse num paraíso e entristeceu com a ausência de profissionalismo de quem trabalha com o que não gosta.
Continuou a varrer...varrer...varrer!
Ao juntar os restos anímicos de alguns seres, deixados nos monturos, a Faxineira reencontrou uma Mulher que há tempos não via.
E parou para procurar entender o que a modificou , lhe causando tanto espanto. Por que a Mulher perdeu o brilho do olhar que lhe caracterizava como dinâmica e pessoa ávida de construções? Quem a atingiu de forma profunda que lhe deu a desesperança latente, criando a couraça que lhe fortalece para não sucumbir? Quem magoou aquela Mulher?
A Faxineira preocupada, amparou a angústia daquele ser,porque sempre lhe transmitiu esperança, sonhos concretizados, projetos enriquecidos( mesmo que alguém nunca os tenha procurado ver), manuseio com a inteligência e a criatividade.
E chorou pela tristeza que ela lhe passava, porque quando uma mágoa macera a alma é difícil, muito difícil limpá-la, aspirá-la, dizimá-la.
E as duas conversaram e se ouviram... E o que se falou e se escutou não podia ser varrido, aspergido, limpado, só dividido e doído.
A Mulher que falava lamentou e questionou a incredulidade com a sua vida, perguntando à sua razão como se pode ter a capacidade de alguém conviver com outro, desrespeitando a essência, humilhando a presença num espaço convivido, ignorando as qualidades e acentuando e passando a terceiros os defeitos.
O que faz um ser inteligente criar abismos diante da vida que lhe dá tantas alegrias e insiste nas lembranças enraigadas numa infância, talvez com lacunas afetivas e sente o prazer insano de magoar quem lhe acompanha e nunca é enxergado?
Por que não se supera barreiras anímicas para explodir em emoções e sentimentos que fazem bem?
A Faxineira nada responde,porque sua alma está em silêncio.O que falar para ela? Perplexa, diante da Mulher que confessa seus tormentos, sente que uma despedida está prestes a acontecer.
Ninguém pode suportar tanto desamor, tanta anulação por tanto tempo. A Mulher, amiga que reencontrou, já tem elos afetivos desfeitos pelo desamor e desconsideração, já antecipa um outro chamado saudades, que lhe darão asas para voar em busca de uma solidão una, porque precisa terminar o seu ciclo de vida em plenitude.
A Faxineira descansa sua vida, sentindo um peso maior nas costas, como se estivesse carregando o mundo e suas reflexões.
Triste, tenta sorrir para a Mulher que lhe fala e que perdeu todas as suas referências vitais num passe de mágica ou talvez, numa premeditada atitude de outrem para aniquilar tudo que ela tinha de luz.
Como fazer mudanças na vida de quem lhe fala, se não tem respostas para si mesma diante de tanto desespero?
Como varrer mágoas se estão respaldadas em uma historia que ainda deixa em pé a Mulher que escutou?
De que forma espanar as tristezas dela se palavras e ações estão queimando em seu coração e em seus ouvidos?
Jogar fora a audição, a visão e a emoção daquela Mulher para não sofrer mais e mais, se as partículas de energia que lhe sobram são o alimento para ainda continuar?
A manhã sombria angustia mais ainda a Faxineira de Ilusões.Pela primeira vez ela não sabe falar e teve a nítida sensação de ter deparado com o caos.

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