quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O DESENCANTO DA FAXINEIRA DE ILUSÕES

Enclausurada em suas emoções, a Faxineira, ausente, estava descansando, porque se energizava para retornar ao seu labor.
Silenciosa, reiniciou suas passadas pela aldeia, andando pelas ruas. E observava... Olhou portões que permaneciam fechados (sem chaves, abertos, apenas quando algum morador gritava para abri-los) impedindo a luz penetrar,porque naquelas casas inexistia a sede de viver e o encanto que deveria ter em todos os lares.
Algumas casas permaneciam iluminadas pela simples presença do núcleo familiar,porque nelas tudo era dialogado e cultivava o sentido da comunhão.
E andou por avenidas e subiu uma ladeira que abrigava uma mulher encantadora que, para a Faxineira, era um exemplo de vida. Octogenária, era jovem nas idéias, nas ações, na beleza do saber encarar a vida e tinha sempre um contar interessante, um testemunho que expandia a sua luz. E era uma amiga que guardava no coração há muito tempo, desde as primeiras escrituras que publicava, alicerçando um querer que já vinha de outra geração.
E a Faxineira sorriu com os novos contares da amiga que morava numa ladeira e desconhecia o bálsamo que tinha plantado em sua alma, desencantada de dores, desamores e solidão.
E retornou ao andar pela aldeia para começar a sua limpeza...Ver quem precisava de sua presença, de sua função. E desceu a ladeira.
E, diante de outra casa, constatou o desmoronamento da estrutura que deveria ser exemplar, porque via ali uma Babel devastadora, disseminando desarmonia, ódios e ações malignas. E viu a impossibilidade de faxinar, aspirar as maldades, espanar rancores, desinfetar palavras, porque - aproveitando as faixas etárias avançadas de quem ali, em outros momentos, direcionou tudo - seres que não cresceram cultural e espiritualmente, avançam em suas ações e firmam o caos.
A aldeia é total mudança.Passeando por suas ruas, a Faxineira sentiu felicidade,porque carências básicas estavam sendo sanadas, apenas, por direcionamentos normais e tão difíceis para tantos que sobem as escadarias de um palácio.
E viu as praças e as gentes que por elas passavam.E recebeu e deu sorrisos e abraçou braços abertos pela amizade e pela bem querência. E sentiu felicidade, mesmo que seu coração estivesse abrigando saudades antecipadas, vontades com grilhões, sonhos adormecidos e decepções de quem não esperava.
Mais adiante, encontrou a Mulher que sempre vê tudo pela janela... E sorriu ao lembrar-se da amiga que mora na ladeira e que tanto quer conhecer o ser que, “espiando”, vê a vida e as pessoas passarem, fazendo paralelos para o seu viver.
E sentou no banco e conversaram e falaram suas confidências e sorriram suas alegrias e choraram suas dores.
E aplaudiu os vôos de um menino calado que sempre acreditou nos sonhos que encantam e provocam emoção. E assentiu sua certeza no que ainda virá para seu caminho,porque suas passadas são abençoadas pela correção de valores e pela perseverança no que quer.
E sorriu...
Conversando, saíram andando pela aldeia. Duas mulheres, duas vidas, sentimento irmanado no carinho e respeito.
Mais alguns passos, a Faxineira parou diante do secular templo de orações, mentalizou uma estrelada garota que sorri com os olhos e ilumina quem com ela convive, pedindo à Energia maior renovação de bênçãos para a eterna menina que anda em esquecimento.
E chorou...
E ,com gestos silenciosos, solidária,a Mulher “que espia pela janela”, também chorou pela amiga que sofria uma mágoa doída e amarga.
E falaram sobre as ingratidões que chegam para qualquer um e tentaram entender como as mudanças podem envenenar almas lindas e iluminadas, como pessoas entram na vida de outras e semeiam alterações que dão tristeza.
Silenciosas para energizar o incontido sentimento de desencanto, as duas mulheres permaneceram imóveis, mas, unidas num questionamento profundo pelas almas maceradas, que precisavam de um milagre.
E, saíram em direções opostas para o início do dia.
Porque estava enclausurada por um tempo, a Faxineira recuperava a hibernação, com a ânsia de varrer, limpar, lavar, aspirar todas as dores que as pessoas vivenciavam naquela aldeia.
E partiu para o labor, para encantada, transformar quem precisava de sua presença.
E trabalhou sem descansar, talvez, para aplacar a agonia que tomava conta de seu coração.
A aldeia estava mudada e era bom constatar isso.

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